Publicado em 17/03/2011Editorial do jornal O Estado de S. Paulo
Publicado em 17/03/2011
O Incra é uma enorme autarquia de eficiência administrativa discutível (suas metas de assentamento rural estão longe de serem cumpridas e os dados que divulga não são confiáveis), em primeiro lugar, porque se transformou num cabide de empregos do PT. Esta é a conclusão a que chegou o próprio governo petista, de acordo com uma minuta de portaria em estudo no Ministério de Desenvolvimento Agrário, divulgada pelo Estado (12/3), cujos termos revelam a intenção de criar mecanismos de controle sobre as 30 superintendências regionais do Incra. Essas superintendências definem planos e administram recursos com um grau de autonomia que foge ao controle até mesmo da presidência da autarquia. De fato, o Incra de hoje é fenômeno típico de um estilo de governo que durante oito anos usou a farta distribuição de cargos e benesses no aparelho do Estado para acomodar situações de desconforto e cortejar tendências políticas radicais, em troca de apoio e em benefício da imagem "progressista" do chefão. Como resultado, aquela autarquia se transformou num órgão muito mais poderoso do que o Ministério ao qual está vinculada. Situação que, aparentemente, o governo Dilma se dispõe a reverter.
Vinte e seis das 30 superintendências regionais são dirigidas por petistas, a maioria filiada à tendência Democracia Socialista, que desde 2003 domina o órgão. Durante os oito anos do governo Lula, a reforma agrária, historicamente uma das mais importantes bandeiras de seu partido, permaneceu praticamente congelada. Mas, entretidos com os jogos do poder, que incluem a manipulação de vultosos recursos orçamentários, os esquerdistas acomodados no Incra não perturbaram a paz e ajudaram a inflar o prestígio do chefe do governo. É assim que a autarquia criada em 1970 tem cumprido sua missão de "implementar a política de reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável", como está definido em seus estatutos.
O próprio governo Lula, com o pragmatismo que o levou a manter os fundamentos da política econômica e dos projetos sociais de seus antecessores, encarregou-se de desmitificar o tema reforma agrária, minimizando na prática a importância do conflito ideológico entre agricultura familiar e agronegócio. Assim, o trabalho do Incra deixou de ser prioridade de governo. Mas nem por isso a autarquia deixou de crescer. Hoje tem cerca de 6 mil funcionários, enquanto o Ministério do Desenvolvimento Agrário dispõe de cerca de 250. E em 2010 trabalhou com um orçamento de R$ 4,3 bilhões, oriundos da dotação de R$ 6,3 bilhões que coube à Pasta à qual se vincula. E como a atividade-fim original parece já não ter a mesma importância, todo esse aparato tem cumprido um importante papel propagandístico.
Recentemente o Incra anunciou que o governo Lula é o grande campeão da reforma agrária, tendo sido responsável pela incorporação de 48,3 milhões de hectares às áreas de assentamento e pela distribuição de lotes a 614 mil famílias. Mas em reportagem de Roldão Arruda publicada pelo Estado em 28 de fevereiro, ficou demonstrado que esses dados foram inflados artificialmente. Segundo informações divulgadas pelo próprio Incra desde 2003 e analisadas pelo pesquisador da USP Ariovaldo Umbelino de Oliveira, um terço (26,6%) das famílias cujo assentamento se atribui ao governo Lula, antes disso já vivia e produzia na zona rural, mas sem título de propriedade. O governo tão somente as incluiu nos programas de apoio à agricultura familiar. Além disso, 38,6% do total de novas famílias dadas como assentadas são pessoas que ocuparam lotes abandonados em áreas de reformas já existentes. Trata-se, portanto, de simples reordenação fundiária e não de novos assentamentos.
É compreensível, portanto, que o governo Dilma se disponha a enquadrar o Incra nos princípios da boa gestão da coisa pública, com o que estará pondo fim ao singular fenômeno, nas relações da autarquia com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, do rabo que abana o cachorro.