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O vilão é o Brasil, seja qual for o motivo
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Publicado em 03/05/2007Por J.R. Guzzo / Revista Exame
Até muito pouco tempo atrás, a maioria das grandes forças da frente ecológica mundial insistia que o Brasil estava produzindo alimentos de mais. Por essa visão das coisas, havia muita soja, muito milho, muita carne, muito frango, e isso comprometia o delicado equilíbrio dos ecossistemas do cerrado, da Amazônia e, no fundo, de qualquer área utilizada para a agricultura ou a pecuária. Ultimamente os mesmos críticos, agora reforçados por Fidel Castro e Hugo Chávez, passaram a condenar o Brasil pelo motivo exatamente oposto. Com a rápida ascensão da cultura da cana, para atender à produção das usinas de etanol, o país estaria se tornando uma perigosa ameaça ao cultivo de alimentos -- para si próprio e para o resto do mundo. Antes, produzia comida em excesso. Agora, vai produzir comida de menos. Ontem desperdiçava, para a mera produção de alimentos, valiosas áreas de preservação ambiental. Hoje desperdiça, para a mera produção de combustíveis, valiosas áreas de cultivo alimentar -- e pode tornar-se um dos grandes responsáveis pela fome mundial. Assim fica difícil.
Na verdade o Brasil não fazia a primeira coisa e não está fazendo a segunda. Curiosamente, porém, o país parece aceitar mais uma vez a cadeira de réu que lhe mandam ocupar -- e, em vez de responder às críticas com fatos, assume passivamente o papel de penitente ecológico ao qual se acostumou nos últimos anos. Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, tem procurado defender o Brasil e trazer o assunto para o terreno da racionalidade. Não lhe faltam bons argumentos -- a começar pelo fato central, sublinhado com clareza por ele, de que as pessoas não passam fome pela escassez de alimentos, mas porque não têm dinheiro para comprá-los. Ou, então, pela evidência de que não há nenhuma contradição, nas condições físicas do Brasil, entre produzir ao mesmo tempo comida e etanol. Mas sua voz permanece perdida no ar -- parece não representar nem mesmo uma posição comum e fechada no governo do qual faz parte. Os palpites de qualquer ONG de país rico, ou de comentaristas que têm mais opiniões que conhecimentos, é que dão o tom -- com o reforço de estudos duvidosos do ponto de vista científico e suspeitos do ponto de vista das intenções.
O Brasil tem muito mais a dizer em seu favor no terreno da ecologia do que em geral se imagina. Para ficar num exemplo só, nenhum outro país do mundo preservou uma área tão extensa de florestas -- dos 7 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia, dos quais mais de 60% estão no Brasil, cerca de 5,5 milhões continuam cobertos de mata. Só o Estado do Amazonas, o maior da região, conserva mais de 95% de sua cobertura florestal. Talvez isso se deva mais a uma longa história de subdesenvolvimento e de falta de capital do que a méritos próprios, mas o fato é que as árvores estão lá -- e não nos países ricos que, depois de terem destruído todas as suas florestas, acusam o Brasil, hoje, de delinqüência ecológica de primeiro grau e querem transformar a Amazônia num jardim botânico.
O verdadeiro problema ambiental do Brasil chama-se pobreza -- e sua principal manifestação chama-se falta de saneamento básico. Não é reduzindo a produção de soja, etanol ou seja lá o que for que se vai avançar um milímetro na solução disso. |
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