Publicado em 17/07/2015A recente disputa publicitária - e judicial - entre BRF e JBS Foods ilustra uma nova etapa da concorrência entre ambas no mercado brasileiro de alimentos processados. Com perda de participação em quase todas as principais categorias nos últimos anos, a BRF tem na volta às gôndolas de produtos-chave da Perdigão um trunfo para conter o avanço da Seara - principal marca da JBS Foods. Já o grupo da família Batista quer não só mostrar resistência na disputa com a Perdigão, mas desafiar a Sadia, marca dominante no varejo do país.
O clima menos amistoso de competição remonta à própria criação da BRF, fruto da incorporação da Sadia pela Perdigão. Para que o Cade aprovasse a união das duas empresas, cuja soma das participações superava 70% em diversas categorias, a BRF teve de vender várias fábricas e marcas, além de suspender sete categorias de produtos da Perdigão.
Em 2012, a Marfrig, então dona da Seara, ficou com os ativos, mas pressionada por um pesado endividamento acabou vendendo a Seara Brasil à JBS no ano seguinte, o que chegou a gerar desconforto na BRF - executivos da empresa acreditavam que a operação feita com a JBS feria termos da transação de 2012.
Mas o fato é que, de lá para cá, a JBS Foods abocanhou fatias do mercado de processados (o que inclui produtos como presunto e linguiça), que movimenta anualmente quase R$ 12 bilhões. Conforme dados obtidos pelo Valor com base em leituras da Nielsen, a Seara tinha uma participação de 7,8% no início de 2013, ainda sob a gestão da Marfrig. Em novembro de 2014, a fatia da JBS Foods chegou a 12,6%.
A BRF continua preponderante na maioria das categorias em que atua, mas sua fatia vem caindo (ver gráfico acima). Dados divulgados pela empresa e compilados pelo BTG Pactual mostram que, em 2012, a BRF tinha 56,6% do mercado de alimentos processados, fatia que caiu para 50,8% no primeiro trimestre deste ano. A redução é ainda maior em pizzas prontas, de 68,3% para 55,2%.
Diante desse cenário, a autorização para voltar a vender, a partir deste mês, presunto e linguiça calabresa defumada com a marca Perdigão será bastante explorada para disputar o mercado com a Seara, que se tornou a segunda marca mais consumida com a ausência da Perdigão nos últimos três anos. Conforme a última leitura Nielsen, a Sadia tem 54,5% em presunto e a Seara, 14,6%. No mercado de linguiças, a marca da BRF tem 57,4% e a Seara, 13,4%.
O caso do presunto é emblemático, e é justamente o motivo da propaganda que gerou processo judicial movido pela BRF contra a JBS Foods. Considerando que a propaganda "usurpava" o slogan da Sadia e buscava "confundir" o consumidor, a BRF tentou retirar o filme por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), sem sucesso. O passo seguinte, inicialmente vitorioso, foi um processo judicial, no qual a BRF obteve liminar obrigando a retirada do filme. Na última terça-feira, porém, a JBS Foods conseguiu derrubar a liminar.
No mercado publicitário, a ação judicial da BRF, por inusual, foi vista com estranheza. "É algo que deveria ser resolvido no Conar, ou então com uma resposta inteligente com uma campanha da Sadia. Não é um assunto para advogados, mas para publicitários inteligentes", disse o professor do núcleo de estudos do agronegócio da ESPM, José Tejon.
Para o CEO da JBS Foods, Gilberto Tomazoni, a Seara está competindo pela preferência do consumidor. "Todo mundo que vai no ponto de venda está fazendo sua eleição. Somos votados todos dias". Segundo ele, nos primeiros cinco meses do ano, a receita com as vendas do presunto Seara cresceram quase 60%.
Em entrevista ao Valor, o diretor de marketing da BRF responsável pela marca Perdigão, Fábio Miranda, não comentou o processo judicial, mas reforçou que a Seara concorre com a Perdigão, não com a Sadia - marca "premium" da BRF. "A diferença de Sadia para Seara é enorme. Essa guerra não existe", afirmou ele.
Na avaliação de Miranda, o que está em jogo é "muito mais uma manobra de defesa [da JBS Foods] para evitar perder uma posição para a marca entrante [a Perdigão, que volta ao presunto]". Ele disse que, mesmo após três anos fora do mercado, o presunto Perdigão é a segunda marca na cabeça do consumidor brasileiro ("top of mind"), só atrás da Sadia. Segundo executivo, nos próximos dias, a Perdigão lançará uma grande ação de marketing.
Miranda argumentou que a volta da Perdigão resolve uma "vulnerabilidade" de preço da BRF, já que a empresa que só oferecia produtos da marca líder - mais caros. Com a Perdigão, a empresa passa a ter um portfólio completo, com preços mais baixos, em linha ou "um pouco acima" dos produtos Seara.
Do lado da JBS Foods, a ação de marketing desenhada com a agência WMcCann é vista como uma tática que dá resultados, apurou o Valor, apesar de ser uma estratégia que vai para o confronto, com potencial de dar alguma dor de cabeça jurídica. Ao se comparar com a Sadia, a Seara se coloca no patamar da maior empresa do setor em categorias como congelados e processados. O raciocínio é que, quanto mais a Sadia reclama, mais a Seara aparece. Procuradas, a WMcCann, que trabalha para a Seara, e a F/Nazca, que tem a conta da Sadia, não comentaram. Com informações do Valor.