Publicado em 02/10/2019Municiada pela BRF, a Polícia Federal (PF) voltou às ruas ontem para cumprir a quarta fase da Operação Carne Fraca. Desta vez, a investigação mirou em auditores fiscais agropecuários que receberam até 2017 propinas da dona de Perdigão e Sadia para acelerar procedimentos corriqueiros ou mesmo evitar que os fiscais atrapalhassem os negócios.
As vantagens indevidas eram oferecidas aos fiscais de diversas maneiras, inclusive por meio do pagamento de planos de saúde - a BRF incluía os fiscais como aposentados. Conforme a Polícia Federal, há casos de fiscais que receberam R$ 600 mil por meio de contratos fictícios. Aos investigadores, a empresa entregou documentos que comprovariam o pagamento de R$ 19 milhões em propinas para fiscais agropecuários.
Ao todo, os 280 policiais envolvidos na operação, autorizada pelo juiz André Duszczak, da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa, cumpriram 68 mandados de busca e apreensão.
O magistrado também determinou o afastamento de 39 fiscais das funções públicas, sendo 31 do quadro de funcionários do Ministério da Agricultura. Colaboradora das investigações, a BRF não foi alvo de mandados de busca e apreensão em escritórios ou unidades.
No setor privado, a União Avícola foi a principal empresa implicada. De acordo com as informações fornecidas pela BRF aos investigadores, a companhia mato-grossense de carne de frango atuou como intermediária no pagamento de propinas a fiscais.
Sediada em Nova Marilândia (MT), a União Avícola pertence ao ex-senador Cidinho Santos, aliado do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi. A empresa presta serviços à BRF, abatendo frangos. Procurado, o ex-senador disse não ser alvo da investigação. “O citado fiscal que teria recebido benefícios indevidos nunca atuou na inspeção da nossa empresa”, afirmou Cidinho.
No pedido de busca e apreensão feito ao juiz, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou e-mails que comprovariam que uma empresa do fiscal Davy Gregório recebia um crédito mensal de R$ 14 mil da União Avícola como ajuda de custo. Na época, Gregorio atuava como fiscal da BRF em Nova Mutum (MT).
Para a Polícia Federal, a quarta fase da Carne Fraca soou como uma celebração da própria PF ao trabalho de investigação. Segundo os responsáveis pela operação, os documentos entregues pela BRF confirmariam que a investigação sempre foi “consistente”, mesmo quando recebia duras críticas, em 2017.
Deflagrada em 17 de março de 2017, a primeira fase da Operação Carne Fraca recebeu duras críticas em razão da generalização negativa feita pelo delegado Mauricio Moscardi, responsável pela operação, sobre a qualidade da produção brasileira de carnes.
Na época, o Brasil foi alvo de vários embargos temporários às carnes em países importadores. Casos como a mistura de salsicha com papelão - um erro de interpretação da Polícia Federal - tiveram grande repercussão na imprensa e nas redes sociais, abalando a credibilidade do setor frigorífico. Após a repercussão negativa, a PF chegou a fazer um mea culpa, assinando nota conjunta com o Ministério da Agricultura na qual sustentou que as irregularidades apontadas na primeira fase seriam pontuais.
Ontem, em Curitiba, os policiais se precaveram contra as generalizações do passado. A jornalistas, Moscardi reforçou que as irregularidades reveladas pela quarta fase eram antigas - anteriores a 2017 - e foram sanadas pela BRF. O delegado também elogiou a disposição da empresa em colaborar espontaneamente, uma mudança de postura que se consolidou após a chegada de Pedro Parente à presidência do conselho de administração. “A colaboração espontânea é uma mudança de paradigma”, disse Moscardi. Apesar disso, essa postura deve ajudar a BRF a fechar um acordo de leniência com as autoridades, avaliou uma fonte.
Na avaliação de Moscardi, a BRF “entendeu que seria melhor colaborar do que contestar fatos já provados” nas etapas anteriores da Carne Fraca - a empresa foi alvo da primeira e da terceira fase da investigação, realizadas em 2017 e 2018. Em nota, a BRF destacou estar colaborando com as investigações. Na bolsa, as ações da empresa registraram uma pequena queda de 0,55%.
Depois da suspensão
Delegado responsável por sindicância com falha, segundo a PF, Maurício Moscardi foi punido com suspensão em setembro. À frente da apuração sobre escuta instalada em 2014 na cela de Curitiba então ocupada pelo doleiro Alberto Youssef, Moscardi concluiu, na época, que o gravador foi regularmente instalado em 2008, para monitorar o traficante Fernandinho Beira-Mar.
Mas PF diz que a escuta era ilegal e registrou 260 horas de conversas de presos como Youssef, o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e a doleira Nelma Kodama. Um inquérito foi aberto para descobrir se houve tentativa de enterrar o caso - arquivado em 2017.
Nelma vai depor hoje ao Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. Procuradores de Curitiba tomarão o depoimento. Segundo fontes do MPF, eles querem saber se Nelma mentiu na delação premiada. A avaliação é que há discrepâncias sobre fatos relatados na delação e a versão narrada por ela em um livro que será lançado neste mês.
Delegado da PF, Mario Fanton, denunciado por vazar informações, entregou à Justiça mensagens que sugerem tentativa de destruir provas da Lava-Jato.
Segundo Fanton, Moscardi teria pedido para ele que não juntasse à investigação, que mirava policiais desafetos da Lava-Jato, depoimento de Nelma. Fanton disse que Moscardi temia que o relato prejudicasse a operação.
Procurado pela reportagem, o delegado Maurício Moscardi disse ao Valor estar à disposição da Justiça e que não tem “qualquer dúvida” da legalidade de seus atos, “pois na época dos fatos exauri todas as diligências possíveis para o caso” Com informações do Valor.