Publicado em 22/03/2011Sen. Kátia Abreu
Presidente da CNA
O preço dos alimentos está em alta em todos os mercados há alguns meses. Em consequência, a agricultura começa a entrar na agenda política. Essa súbita atenção deve ser bem apreciada por todos, uma vez que produtores rurais, salvo em épocas de crise, são quase sempre negligenciados pelos governos. A experiência, contudo, recomenda precaução. A crise não é boa conselheira, mas campo propício a medidas improvisadas, que buscam aplausos, mas não produzem soluções.
Antes de qualquer coisa, devemos indagar por que os preços estão subindo. Se quisermos respostas precisas, temos de ignorar os suspeitos habituais. É o caso dos mercados futuros de produtos agrícolas. A exemplo dos mordomos de filmes policiais, eles podem até parecer, mas não são os culpados. Por uma razão elementar: com exceção de períodos curtos, as cotações ali não se descolam dos fundamentos que regem a oferta e a demanda dos produtos.
Mercados futuros, na verdade, ajudam a dar transparência ao processo de formação dos preços. Outro suspeito são as ocorrências climáticas, em especial secas e inundações. O papel desses fatores é real, mas grãos e carnes são produzidos hoje em tantas latitudes diferentes que essas ocorrências influem de forma bem mais limitada.
A elevação do custo da comida afeta a todos e temos de lidar com o problema de forma objetiva. Nesse sentido, o primeiro passo é reconhecer sua causa. Os preços estão subindo em virtude da elevação da demanda nas regiões pobres do mundo, em especial na Ásia, onde centenas de milhões de pessoas estão saindo da miséria e comendo mais, comendo melhor.
A solução então é produzir mais grãos, mais carnes e mais frutas. Afinal, seria desumano, para dizer o mínimo, desejar que os pobres comam menos. Controle de preços, formação de estoques e outras modalidades de intervenção de governos na atividade privada não funcionam. E a história mostra que a agricultura e o agricultor só precisam de liberdade para acomodar preços de forma a remunerar o produtor, sem punir o consumidor.
Os últimos governos compreenderam a questão e não cederam às tentações intervencionistas. No entanto, leis anteriores à revolução agrícola dos anos 1970 continuam sendo obstáculos à expansão da produção rural. É o caso do Código Florestal, que veio à luz na década de 1960, quando o Brasil tinha agricultura incapaz de abastecer até o pequeno mercado doméstico de então.
Se não incomodavam a agricultura estagnada e sem futuro de antes, alguns aspectos dessa legislação são nocivos aos interesses do país hoje. E sem nenhuma vantagem para a natureza. O fato é que o Código Florestal precisa ser revisto e atualizado. Do contrário, ficará seriamente comprometida a capacidade da nossa agropecuária de responder aos aumentos da demanda interna de alimentos. Não será possível, tampouco, atender as novas demandas do mundo emergente.
As mudanças pelas quais lutam os produtores não se destinam a aumentar o desmatamento. Eles querem apenas que as áreas de produção, abertas com grande sacrifício e elevados custos, quando a legislação permitia, sejam reconhecidas e regularizadas, e não criminalizadas com efeito retroativo.
A esterilização dessas áreas é um retrocesso que só pode interessar aos países que concorrem conosco no mercado mundial e estão em desvantagem. Afinal, somos o segundo maior exportador de alimentos do mundo e um dos únicos em condição de aumentar a produção preservando o ambiente.
O Brasil hoje é outro. Em 1960, éramos 70 milhões de brasileiros, importávamos comida e tínhamos 200 milhões de hectares na produção de alimentos. Agora, ocupamos 230 milhões de hectares, somos 191 milhões e temos uma agropecuária moderna, que assimilou tecnologias, gera empregos, distribui renda e produz com eficiência, e de forma sustentável, comida de qualidade para o mercado interno e o mundo.
* Artigo originalmente publicado pelo jornal "Folha de S. Paulo" em 19 de março de 2011