Publicado em 03/02/2011José Vicente Ferraz
Publicado na Folha de S. Paulo - 03/02/2011
A bovinocultura de corte na Argentina passa por um momento crítico. Segundo a ONCCA (Oficina Nacional de Controle Comercial Agropecuário), os abates de bovinos em 2010 recuaram em 11,8 milhões de cabeças, ou 26,6%, em relação a 2009.
Em razão dessa forte redução dos abates e, por consequência, da produção -levemente compensada pelo aumento do peso médio das carcaças dos animais abatidos-, as exportações despencaram em mais de 50% e o consumo per capita caiu nada menos que 17%, registrando a menor marca dos últimos dez anos.
É fato que parte desse verdadeiro desastre deriva de uma seca de proporções catastróficas que atingiu o país vizinho no segundo semestre de 2009 e que foi considerada a mais devastadora dos últimos 50 anos, ao causar uma elevação brutal nas taxas de mortalidade dos animais e também incentivar o abate prematuro de bovinos.
Seguramente, entretanto, existe outro componente relevante desse quadro: uma política intervenci- onista que se mostra um grande equívoco.
Já faz um bom tempo que o governo argentino, preocupado com as pressões inflacionárias decorrentes da alta dos preços dos alimentos (um fenômeno mundial), criou mecanismos explícitos ou disfarçados para limitar as exportações e, dessa forma, ampliar a oferta no mercado interno.
A restrição aos embar- ques provocou um "des- colamento" dos preços internos das cotações no mer- cado internacional.
O resultado dessa política foi muito negativo para toda a cadeia produtiva da carne bovina argentina.
Os produtores perderam rentabilidade na pecuária, o que vem incentivando-os a procurar alternativas mais rentáveis, o que normal- mente acontece com a agricultura de GRÃOS.
Dessa forma, no país vizinho a pecuária bovina está sendo deslocada para ter- ras menos nobres, além de, em muitos casos, simplesmente encolher.
A indústria frigorífica, inclusive com a participação importante de empresas brasileiras, foi duramente atingida pela redução de oferta de animais para abater, o que resultou em elevada capacidade ociosa.
É evidente que os estragos diretamente causados pela seca serão recuperados, mas muitos analistas da pecuária na Argentina temem que, se a rentabilidade dos produtores argentinos não for retomada fortemente, a ponto de incentivar novos investimentos em regiões menos favoráveis à atividade, as perdas sejam permanentes na produção de bovinos.
Para o mundo e, portanto, para o Brasil, as dificulda- des de um produtor importante como a Argentina no mercado mundial de carne bovina sinalizam, no curto prazo, manutenção de preços elevados.
No médio e no longo prazo, talvez a ausência da Argentina signifique a oportunidade de ocupação de um novo espaço no mercado.
*JOSÉ VICENTE FERRAZ é engenheiro agrônomo e diretor técnico da Informa Economics FNP.