Publicado em 05/11/2012Kátia Abreu
Publicado na Folha de S. Paulo - 03/11/2012
O desgosto dos brasileiros que dirigem seu olhar compassivo aos índios é que estamos todos diante de uma estrutura anacrônica e incompetente que, atualmente, é de pouca serventia àqueles a quem deveria proteger. Esta é a Fundação Nacional do Índio dos nossos dias: incapaz de interpretar os anseios dos índios e garantir-lhes a vida.
A ineficiência se agiganta porque a Funai acumula competências que transitam pelos três Poderes da República. Ela é Executivo, ao conduzir os processos de identificação e demarcação de terras; é Legislativo, com suas instruções normativas que regulam esses processos, e também assume o papel de Judiciário, ao julgar administrativamente todas as contestações.
É simplificação irreal e equivocada resumir o drama pelo qual passam os 170 índios da etnia guarani-kaiowá a uma simples demanda por terra. As carências dos índios, inclusive os que hoje ocupam dois hectares de uma fazenda no Mato Grosso do Sul, são muito mais amplas. Falar em terra é tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder público.
O índio hoje reclama da falta de assistência médica, de remédio, de escola, de meios e instrumentos para tirar o sustento de suas terras. Mais chão não dá a ele a dignidade que lhe é subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo.
A triste realidade dos dias de hoje é que os índios estão mal assistidos e os produtores rurais, desamparados. Os empreendedores do setor agropecuário possuem títulos de propriedade regularmente concedidos, em obediência às leis que regem nosso país.
A luta para colocar alimento mais barato na mesa do brasileiro não é travada por usurpadores e invasores de terras, como querem fazer acreditar algumas ONGs nacionais e internacionais e alguns movimentos sociais.
As terras indígenas ocupam 12,64% do território nacional. São, ao todo, 109,7 milhões de hectares, segundo dados da Funai. Vivem neles 517,3 mil indivíduos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Já as terras agrícolas ocupam 39,2% do território nacional, fatia que cai para 27,7% sem as áreas de preservação ambiental. Entre proprietários, seus familiares e empregados do campo, são 16,5 milhões de pessoas.
A menção a esses números não embute nenhuma objeção da CNA à eventual ampliação das áreas reservadas aos povos indígenas. Se for da vontade do governo e do povo brasileiro dar mais terra ao índio, que o façam. Mas não à custa dos que trabalham duro para produzir o alimento que chega à mesa de todos nós.
É hora de alardear um fato absurdo que, não tenho dúvida, é desconhecido pela maioria dos cidadãos. O que tensiona a relação entre índios e fazendeiros, que antes da Constituição de 1988 já ocupavam legalmente as terras em que produzem, é a injustiça praticada pelo Estado brasileiro.
Quando o governo destina áreas à reforma agrária, indeniza o proprietário pela terra e pelas benfeitorias realizadas. Já quando subtrai o chão há décadas cultivado pelo produtor, somente as benfeitorias lhe são restituídas.
Ocorre aí uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro, desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e outra atrás.
O que se quer é o fim de uma prática em que os governos trabalham com dois pesos e duas medidas.
Na desapropriação de terras para reforma agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) utiliza-se da Lei 4.132, que prevê compra de terras com pagamento em dinheiro. Bem diferente da Funai, que, em vez de solucionar os conflitos, atua para potencializá-los.
KÁTIA ABREU, 50, é senadora (PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).