Publicado em 23/08/2012Por José E. R. Vieira Filho
Valor Econômico - 22/08/2012
Com os preços dos alimentos em expansão e a expectativa de forte crescimento populacional para os próximos anos, a questão da aquisição de terras por estrangeiros no mundo vem chamando a atenção, em especial em regiões africanas e latino-americanas. A compra de terras por estrangeiros é uma maneira de minimizar os efeitos negativos do processo inflacionário no mercado, garantindo acesso privilegiado aos alimentos e, ao mesmo tempo, mantendo a redução da pobreza e o crescimento econômico.
O texto para discussão nº 114 do Senado Federal, escrito em coautoria com Fábio Hage e Marcus Peixoto, trata da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil, que é regulada desde 1970 pela Lei nº 5.709. A Constituição, pelo art. 171, disciplinou a distinção entre empresas brasileiras e as de capital nacional das empresas estrangeiras, dispensando-lhes tratamento diferenciado e disposições especiais. Com a abertura comercial e financeira em 1990, a legislação de aquisição de terras impedia e inviabilizava o investimento direto externo dentro do país.
As compras ocorrem em regiões tradicionais (Sudeste), e também em novas fronteiras produtivas (Nordeste)
Criou-se a polêmica jurídica. Como flexibilizar as regras de investimento estrangeiro na economia? A Advocacia Geral da União (AGU), órgão responsável pelo assessoramento jurídico da União e do Poder Executivo, foi convocada a interpretar a controvérsia, emitindo 3 pareceres. Os dois primeiros foram mais flexíveis, enquanto que o terceiro (mais recente) buscou restringir o mercado de terras aos estrangeiros.
O primeiro (parecer nº GQ-22, de 1994) aceitou a legislação de 1970, fazendo apenas uma ressalva. Não se admitia restrições legais às empresas brasileiras, ainda que estas fossem controladas por capital estrangeiro. O parecer foi aprovado pela presidência, mas não publicado, o que condicionou apenas o Ministério da Agricultura (órgão público que fez a consulta na época).
O segundo (parecer nº GQ-181, de 1999) foi motivado pela Emenda Constitucional (EC) nº 6 de 1995, que revogou o art. 171 da Constituição, eliminando a distinção entre empresa brasileira e de capital nacional. Rejeitou-se novamente a legislação de 1970. Porém, diante da emenda, admitiu-se que a lei futura viesse a estabelecer limite ao capital estrangeiro, face ao art. 172, que disciplina os investimentos de capital estrangeiro. Este parecer foi aprovado pela Presidência e publicado, estendendo-se para toda a administração pública federal.
Por fim, o terceiro (Parecer nº LA-01, de 2010) reinterpretou a legislação de 1970, tomando como base o princípio da soberania aplicado à ordem econômica. Aceitou-se tanto o art. 171 da Constituição quanto a EC nº 6. Foi possível limitar as empresas brasileiras controladas por estrangeiros ao tamanho das terras compradas e adquiridas. O parecer foi aprovado e publicado, o que criou restrições a vários setores de atividade econômica (como saúde, comunicações, mineração etc.).
O investimento estrangeiro na agricultura brasileira cresceu desde a implantação do real em 1994. Desde 2000, o capital externo já participa intensamente no processo de expansão dos setores sucroalcooleiro e de florestas (papel e celulose). Houve investimentos estrangeiros nas regiões de fronteiras agrícolas de grãos e algodão, tais como Mato Grosso, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins. Além de contribuir para a rápida expansão da oferta brasileira desses produtos, o capital externo tem contribuído para acelerar o processo de construção de um novo padrão de governança nesses setores. Com as restrições impostas, estima-se um prejuízo da ordem de US$ 15 bilhões ao agronegócio, por inibir investimentos estrangeiros na forma de capital de risco. O volume de recurso estimado para a implantação da infraestrutura operacional necessária à efetivação dessa expansão é de R$ 93,5 bilhões, sem considerar os investimentos agroindustriais.
É importante ressaltar que a participação estrangeira na produção agropecuária é pouco expressiva no conjunto da produção agrícola (menos de 1% do total em área destinada ao plantio). De 2007 a 2010, no Brasil, a variação percentual do número de imóveis rurais cresceu em torno de 3%, enquanto a área ocupada aumentou em 13%. O crescimento da área ocupada por imóveis estrangeiros foi no Piauí, Amazonas e Minas Gerais de 139%, 100% e 64%, respectivamente. Após a crise de 2008, tem-se uma redução da compra de terras no país, com exceção do Nordeste. Nota-se, portanto, que o movimento de compra de terras se dá muito em regiões tradicionais da produção agrícola (Sudeste), bem como de novas fronteiras produtivas (Nordeste).
São inúmeras as razões que levam os Estados a adotarem políticas restritivas de acesso à terra. Dentre os principais motivos, além do nacionalismo e xenofobismo, destacam-se a segurança nacional, o domínio da infraestrutura, a prevenção contra a especulação estrangeira, a preservação do "tecido" social da nação, o controle dos investimentos diretos estrangeiros, a regulação da imigração e a garantia do controle da produção de alimentos. O debate acerca da aquisição de terras por estrangeiros é controverso.
Não obstante, deve-se lembrar que o Estado é autônomo mesmo adotando legislação mais flexível. Caso haja desabastecimento interno, o governo pode aplicar quotas e impostos de exportação, bem como criar estoques reguladores. Os estrangeiros estão sujeitos às mesmas regras jurídicas e ambientais que o produtor brasileiro. Qualquer desobediência, a desapropriação pode ser aplicada como correção. Monitorar a inserção estrangeira na economia é preciso. Porém, entende-se que a restrição imposta pode inviabilizar investimentos no setor agropecuário brasileiro, em especial nos estados cuja economia depende desse segmento.
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho é pesquisador do Ipea, professor da UnB e conselheiro do Cofecon.