Publicado em 18/06/2012Roberto Rodrigues
Publicado na Folha de S. Paulo - 16/06/2012
Em pleno funcionamento da Rio+20, em que a segurança alimentar terá destaque, o Congresso discute o complicado tema da compra de terras por estrangeiros. O assunto foi votado nesta semana na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, e de lá irá para outras comissões até chegar ao plenário.
Não é um tema fácil, porque está um pouco ideologizado, sob o conceito de alguns de que a terra do Brasil só deve pertencer a brasileiros. Como se um japonês comprasse terra aqui e ela fosse embora para o Japão, por exemplo.
A terra cultivada aqui vai gerar empregos aqui e consumir insumos produzidos aqui, vai exportar produtos que melhorarão o saldo comercial etc. É claro que, por outro lado, não se deve permitir a mera especulação imobiliária, que seria inaceitável -já existem leis e regras para impedir isso, inclusive a desapropriação das terras improdutivas para fins de reforma agrária.
Seja como for, esse problema tem de ser resolvido, e uma legislação específica é fundamental: não podemos deixar aí um vazio jurídico nem permitir que a xenofobia trave a agropecuária brasileira.
Enquanto isso, a FAO, após três anos de longos debates sobre o mesmo tema, estabeleceu, em abril passado, o que chamou de "Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável de Posse da Terra, Recursos Pesqueiros e Florestais em um Contexto de Segurança Alimentar Nacional". Nome longo para assunto polêmico.
Foram ouvidas quase 700 pessoas de 133 países, e foi difícil obter um documento de consenso, dados os interesses divergentes entre as diversas regiões do planeta.
As diretrizes são voluntárias, e cada país as aplicará se quiser e de acordo com suas próprias legislações, e estão assim alinhadas:
1 - Princípios gerais (o Estado deve proporcionar):
a) Reconhecer e proteger os direitos legítimos de propriedade, mesmo em sistemas informais, inclusive contra ameaças e violações;
b) Promover e facilitar o exercício dos direitos de posse legítima, proporcionando o acesso à Justiça para lidar com infrações a tais direitos, e restituindo terras a pessoas que foram expulsas à força no passado.
c) Prevenir conflitos violentos de posse e de corrupção.
2 - Princípios essenciais de implementação da governança responsável da posse da terra:
a) Dignidade humana: o reconhecimento da dignidade e da igualdade de direitos humanos inerentes e inalienáveis de todos os indivíduos;
b) Não discriminação: ninguém deve ser objeto de discriminação de nenhum tipo;
c) Equidade e justiça: reconhecer as diferenças entre os indivíduos e buscar seu equilíbrio;
d) Igualdade de gêneros: os Estados devem assegurar que as mulheres tenham igualdade de direitos de posse e acesso à terra, independentemente de seu estado civil e conjugal;
e) Abordagem sustentável: adotar uma abordagem integrada e sustentável na administração dos recursos naturais e seus usos;
f) Consulta e participação: apoiar aqueles que, tendo direitos de posse legítima, poderiam ser afetados por decisões tomadas por terceiros interessados;
g) Estado de direito: enfoque baseado em regras e leis amplamente divulgadas e aplicáveis a todos;
h) Transparência: definição clara e ampla divulgação de políticas, leis e procedimentos aplicáveis, em formatos acessíveis a todos;
i) Prestação de contas: assegurar que indivíduos, agências públicas e atores/intervenientes não estatais sejam responsáveis por suas ações e decisões;
j) Melhoria contínua: os Estados devem melhorar os mecanismos para monitoramento e análise da governança de posse.
As orientações abrangem ampla gama de outras questões, como as desapropriações e a restituição de terras a pessoas que foram expulsas à força no passado, e os direitos das comunidades indígenas.
Todos esses temas tratados pela FAO deverão ser considerados pelo nosso Congresso, observadas, evidentemente, as condições específicas de nossa brasilidade e os interesses nacionais verdadeiros.