Publicado em 24/05/2011Editorial do jornal O Estado de S. Paulo
24/05/2011
Nada sustenta a suposição de que a tramitação do novo Código Florestal na Câmara, onde pode ser votado nos próximos dias, tenha acelerado o desmatamento na Amazônia, que aumentou nada menos que 475% no bimestre março-abril, em comparação com o mesmo período de 2010, atingindo 593 quilômetros quadrados, como foi constatado em tempo real por satélites do Inpe. Isso porque uma emenda ao projeto, resultante de acordo entre o governo e as lideranças dos partidos, prevê que o novo Código somente validará as áreas de plantio feitas antes de 22 de julho de 2008. O desmatamento feito depois dessa data estará sujeito a multas e outras sanções. Não é crível que os responsáveis por esse desastre ambiental não tenham conhecimento disso. Tudo indica que elementos inescrupulosos procuram criar "fatos consumados", aproveitando-se de falhas da fiscalização.
O chamado "efeito Código" é empulhação. O presidente da Federação de Agricultura de Mato Grosso, Rui Prado, que condena a prática de crimes contra o meio ambiente, confirma que é conhecida no meio rural a existência de uma data de corte para anistia aos desmatadores. Mas não é isso o que afirmam entidades ambientalistas. O coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, Márcio Astrini, por exemplo, afirmou que, como o avanço do desmatamento não pode ser explicado por fatores econômicos, como a alta das commodities, "o único fato novo é a promessa de anistia aos desmatadores no texto do Código Florestal, que está prestes a ir à votação". O Greenpeace parece não perceber que a verdadeira causa é um fato velho. Ou seja, incentivado por madeireiras com a conivência de agricultores, o corte de árvores aumentará, se não houver fiscalização que não pode ser relaxada, devendo as autoridades agir sempre a tempo e a hora.
Não é o que se tem observado. Embora técnicos do Inpe já indicassem, no início deste mês, o avanço das motosserras em Mato Grosso, como noticiou o Estado (5/5), a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, se disse surpresa ao ser informada desses fatos. Quase duas semanas depois das primeiras constatações da destruição, a ministra anunciou a criação de um gabinete de crise, destacando mais de 500 fiscais só para Mato Grosso, onde se verificaram 80% do abate de árvores no bimestre passado.
Arrombada a porta, reforça-se a vigilância para evitar nova onda de devastação, mas o prejuízo já causado pode ameaçar o cumprimento das metas internacionais de preservação com que o Brasil está comprometido. O Ibama, responsável pela fiscalização das áreas de preservação, identificou 20 pontos de desmatamento nos últimos 30 dias em Mato Grosso. Em uma propriedade de mais mil hectares, usou-se até "correntão", puxado por tratores, para "limpar" as áreas com maior rapidez.
Em face dessas revelações, o governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, disse que intensificará também a fiscalização nas áreas mais atingidas. Ele atribuiu a ação devastadora a, no máximo, "uma meia dúzia" de aproveitadores, que não podem colocar em xeque o conceito dos produtores agrícolas de seu Estado. Essa atitude contrasta com posições condescendentes, para dizer o mínimo, assumidas por alguns representantes do setor agropecuário quanto à nova ofensiva de desmatamento na Amazônia, justamente em uma fase em que os esforços dos governos para preservar as florestas da região mostravam sinais animadores. Diante dos dados do Inpe, a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura, declarou que não concordava com os números levantados, que seriam pontuais, devendo o desmatamento ser medido em períodos anuais. "Este mês específico é um mês ainda de forte desmatamento por causa da época - quando termina a chuva e já começa a seca", disse ela (O Globo, 19/5). Como se o que está acontecendo na Amazônia fosse coisa normal.
Não é nem pode ser. O que a sociedade brasileira espera é que, ao contrário do que afirmam os pessimistas, o combate ao desmatamento não esteja fugindo do controle do governo.