Publicado em 03/05/2011Xico Graziano
O Estado de S. Paulo - 03/05/2011
Um grupo de manifestantes se destacava nos frios arredores da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada em Copenhague (2009). Eram vegetarianos. Eles distribuíam panfletos com um argumento impressionante: 82% do aquecimento global cessaria se o mundo deixasse de comer carne. Será verdade?!
Certamente que não. Mas a esdrúxula tese se acompanhava por textos bem ilustrados, daqueles que viajam longe na internet. Aqui mora o perigo. Nesta época em que as informações fluem rapidamente, o zelo pela consistência do conhecimento torna-se crucial. Uma preciosidade ou uma bobagem percorrem o mundo em minutos. Ainda mais se a linguagem for curiosa, excêntrica ou os números, chamativos, estrondosos.
A mudança climática que afeta o planeta configura um problema relativamente recente para a pesquisa científica. Modelos utilizados nas estimativas e suposições ganham veracidade, mas, no fundo, ainda falta muito para ser descoberto, mensurado e comprovado sobre o fenômeno ambiental. Um grande desafio da ciência.
Vejam o caso do gás metano (CH4) na pecuária. Oriundo da decomposição anaeróbica - sem a presença de oxigênio - de matéria orgânica, o metano surge, entre outras fontes, da ruminação animal. Ao ingerir pastagem, o estômago duplo do gado realiza uma fermentação digestiva que libera metano. O bicho, então, arrota.
Solto na atmosfera, o inodoro gás apresenta um terrível problema: sua concentração agrava o efeito estufa. Conforme os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) consagraram, o potencial de aquecimento (GWP100) do metano é 23 vezes maior que o do gás carbônico, ou dióxido de carbono (CO2). Conclusão: a pecuária afeta o clima da Terra.
Os pesquisadores buscam métodos eficientes para calcular quanto os animais expelem de metano. Essa quantidade parece depender, essencialmente, da dieta do bicho. Uma alimentação baseada em massa verde, como por aqui, difere daquela onde predomina a ração servida no cocho. Com certeza a bufada do boi europeu ecoa mais longe.
A Embrapa e o Instituto de Zootecnia de São Paulo, entre outros, debruçam-se sobre essas pesquisas recentes a respeito da erutação bovina, como tecnicamente se denomina o arroto do gado. Internacionalmente, enquanto não se purificam os dados, aceita-se que cada animal adulto, em média, produza 57 kg de metano/ano.
No mundo, multiplicada pelo rebanho total, estimou-se que a emissão de gases de efeito estufa (GEE) advinda do processo entérico dos animais, somada à decomposição dos seus dejetos orgânicos, represente 29,7% das emissões do metano com origem antrópica. Significaria cerca de 9% do fenômeno global do aquecimento.
É curioso saber que, dentre as emissões mundiais de metano, outros 16% se originam nas culturas irrigadas de arroz, especialmente das várzeas asiáticas. Se os humanos apreciadores de carne quisessem, encontrariam na razão ambiental um argumento poderoso para se opor ao consumo de arroz. Alguém topa uma campanha ridícula dessas?
A conversa fiada ambiental contra a pecuária derrete-se de vez quando se consideram os estudos do cientista brasileiro Luiz Gylvan Meira Filho. Ex-presidente do comitê científico do IPCC, o renomado professor explica que o efeito estufa atribuído ao gás metano foi inicialmente calculado supondo-se um sistema fechado, sem perda de calor, distinto da realidade do planeta, onde os raios infravermelhos afetam a equação física. Radiação de corpo negro chama-se o fenômeno em questão. Baseado na literatura internacional, ele argumenta que, ao contrário do originalmente estabelecido, o verdadeiro potencial de aquecimento do metano situa-se entre quatro e cinco vezes o equivalente em CO2, e não 23 vezes, conforme anotado pelo IPCC. A diferença é enorme.
Tem mais. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) realizou um estudo primoroso sobre esse assunto na pecuária de corte. Seus técnicos analisaram não apenas as emissões oriundas da atividade, mas calcularam também a absorção de carbono que ocorre no crescimento das pastagens. O "balanço" ambiental assim calculado indica que quase metade das emissões de GEE (106, ante 221 Mt CO2 eq/ano) se compensa pelo sequestro de carbono acumulado nas gramíneas.
O resultado vale igualmente para toda a agropecuária. Os vegetais, por meio do processo bioquímico da fotossíntese, captam energia solar e a transformam em energia vital, absorvendo CO2 e liberando oxigênio. É por isso que para os agrônomos, como eu, o gás carbônico é o gás da vida, jamais um poluente.
Embora fundamental para os inventários sobre o aquecimento global, essa contabilidade de duas vias, com entrada e saída de carbono, não é aceita na metodologia oficial do IPCC, que considera apenas as emissões de gases. Acredite se quiser.
Na ciência, o método é sempre fundamental. Mas o rigor científico anda cutucado atualmente por uma espécie de chutômetro que na web encontra campo fértil de disseminação. Com a tragédia do "copia e cola", muita asneira veiculada na rede acaba, desgraçadamente, afetando o ensino nas escolas e influenciando a imprensa mais descuidada.
As novas descobertas sobre o potencial de aquecimento do metano e a inclusão do sequestro de carbono na agricultura acabarão por jogar na lata de lixo científico todas as estimativas realizadas até então. Sorte da agricultura.
Conclusão: a influência deletéria da boiada, que já nem era tão grande quanto propalada por seus críticos vegetarianos, cairá, segundo as recentes considerações científicas, no mínimo, dez vezes. Respeite os vegetarianos, mas pode comer bife sem dor na consciência.