Publicado em 16/08/2019Com presidente interino desde meados de julho, a Embrapa, principal instituição pública de pesquisa do País, vive um dilema: como se reinventar, de modo a voltar a responder às demandas do setor do agronegócio na velocidade exigida. Desde que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, exonerou o pesquisador Sebastião Barbosa da presidência da estatal, quem ocupa o cargo é o também pesquisador Celso Moretti, na instituição desde 1994.
Não há data prevista para a escolha do novo titular. Vários representantes do agronegócio ouvidos pelo Broadcast Agro reforçaram a necessidade de que, independentemente do nome, é preciso modernizar a estatal, reavaliar a relevância de cada uma das 43 unidades de pesquisa do País, mudar a estruturação de projetos, rever o foco das pesquisas e, o mais importante, estreitar a relação com o setor privado.
O ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, espera uma "ressurreição" da Embrapa. "A realidade da agricultura de hoje é diferente da de quando ela foi criada, há 40 anos", diz. Ele lembra que há muitas empresas privadas, multinacionais entre elas, fazendo pesquisa agropecuária e gerando variedades novas.
"Tem de olhar a realidade da área de ciência e tecnologia no Brasil atual e montar ou recriar uma Embrapa voltada para esse modelo, considerando tudo, agtechs, iniciativa privada, universidades, órgãos públicos estaduais, e montando uma ação articulada, integrada, todo mundo trabalhando na mesma direção. Não pode ter dispersão de recursos", defende.
Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) diz esperar uma instituição "aberta para o Brasil e o mundo, sem preconceitos". Segundo ele, grande parte da pesquisa desenvolvida pela empresa não chega à ponta final - a do produtor rural - porque existem problemas de "conectividade". "Conhecendo o tamanho da Embrapa e a qualidade de seus pesquisadores, ela pode muito mais."
Ex-presidente da instituição, Sebastião Barbosa reconhece a necessidade de mudanças e afirma que vinha trabalhando para isso. A geografia da agricultura brasileira se transformou e algumas unidades precisariam, de fato, passar por ajustes ou trocar de lugar, afirmou.
Como exemplo, citou a Embrapa Algodão, que fica na Paraíba, e não no cerrado do Centro-Oeste e do Matopiba, onde estão os maiores produtores. No caso do arroz, 70% da produção brasileira se encontra no Rio Grande do Sul, de arroz irrigado, mas a unidade da instituição dedicada à cultura é a Embrapa Arroz e Feijão, em Goiás.
Uma outra liderança do setor, que não quis ser identificada, apontou a estrutura "inchada e burocratizada" como um ponto a atacar, com vários centros de pesquisa abertos "questões políticas" e não científicas. "Se determinado governador pedia para abrir uma Embrapa em seu Estado, era prontamente atendido, sem que necessariamente fosse necessário ter uma unidade ali", afirmou.
Atualmente, a Embrapa conta com 43 centros de pesquisa. "Há cadeias produtivas que não aproveitam pesquisa da Embrapa, como a de papel e celulose. Então, qual a razão de uma Embrapa Florestas (situada em Colombo, no Paraná)?", indaga.
Decisões centralizadas
Outro gargalo, conforme a liderança, é a centralização de decisões na Embrapa em Brasília. "Muitas pesquisas dos vários centros são barradas lá", diz. No atual governo, acrescenta, a "orientação" para a Embrapa é "reduzir custos". "O (ministro da Economia Paulo) Guedes está pressionando a Embrapa a 'fazer dinheiro' e a instituição já tem uma lista de imóveis para serem vendidos."
Segundo Barbosa, o gasto de 80% do orçamento com pessoal precisa ser revisto. "Ao longo do tempo, houve uma generosidade muito grande em termos de promoções, em termos de premiação, então grande parte dos recursos da Embrapa foi usada com seu pessoal", disse.
A Embrapa implantou um programa de desligamento incentivado (PDI), que devem ter a adesão de cerca de 1.500 pessoas. Ele enfatizou, entretanto, que a Embrapa tem cientistas "muito capacitados" para inovação e que a instituição "precisa de ajustes, mas continua sendo muito respeitada em qualquer lugar".
Questionado se não haveria uma resistência do governo sobre novos concursos, ele negou. "Há um compromisso do governo de repor 75% das pessoas. A Embrapa deve ter, sim, concurso para renovação de quadros em decorrência desse PDI." As primeiras pessoas começariam a sair ainda este mês, segundo ele.
Na opinião do vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro Camargo Neto, "está na mão" dos pesquisadores da Embrapa iniciar sua própria revitalização. "Os mais de 2 mil pesquisadores doutores precisam reagir contra a atual orientação, ou melhor, à falta dela, e produzir mais e melhores resultados práticos para o produtor, pois a Embrapa caminha para a mediocridade", diz. "A sociedade, o contribuinte de impostos, que tem financiado as dezenas de centros de pesquisa, cansou."
Alceu Moreira, da FPA, defende maior interação com multinacionais, outros institutos de pesquisa e produtores rurais. "A Embrapa está muito voltada para dentro", disse. "Achamos que é possível tirar mais dela." Moreira afirmou que a FPA espera que a estatal "tenha uma transição de maneira republicana". "Antes de pensar em pessoas, queremos saber do projeto da Embrapa, para que a empresa use o ativo de pesquisa que já tem, com uma dinâmica maior." Com informações do portal Estadão.