Publicado em 06/11/2017A demora do Brasil em cumprir uma promessa feita para os russos há dois anos já afeta os exportadores de carne bovina do país e também pode respingar na indústria de carne suína, prejudicando um mercado responsável por 40% das exportações brasileiras do produto.
O Valor apurou que a Rússia vem demonstrando desconforto com o atraso na abertura dos mercados de pescados e de trigo do Brasil, anunciada em outubro de 2015 pela então ministra da Agricultura, Kátia Abreu. Insatisfeitos, os russos deram sinais de que poderão criar barreiras contra o setor, segundo fontes a par do tema.
Na semana passada, a ameaça começou a se materializar. O serviço sanitário do país (Rosselkhoznadzor) proibiu as compras de carne bovina do frigorífico do Mataboi em Santa Fé de Goiás (GO), e também colocou em controle reforçado - sob mais testes - quatro abatedouros de bovinos (de JBS, Frigol, Frigoestrela e Frigon) e um de suínos (Aurora). Na indústria de carne suína, a preocupação é que os russos possam ir além do controle reforçado, como sinalizaram na feira Anuga, na Alemanha.
Embora os russos sejam relevantes para o segmento de carne bovina do Brasil, sendo responsáveis por 11% dos embarques, na carne suína o quadro é bem mais crítico. O setor é dependente da Rússia. Entre janeiro e setembro, os russos adquiriram 40% do volume exportado pelos frigoríficos de carne suína, o equivalente a 47% da receita obtida.
Procurado pelo Valor antes de as primeiras restrições russas serem anunciadas, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirmou que durante sua visita à Rússia, há um mês, as autoridades do país reafirmaram o interesse de vender trigo e pescados - principalmente bacalhau - ao Brasil. Os russos também querem exportar carne bovina ao mercado brasileiro, disse.
"No mercado internacional é assim mesmo. Tem que ter reciprocidade senão as portas se fecham", disse o ministro, acrescentando que a abertura do mercado de carne bovina do Brasil aos russos está próxima. Ele não deu prazo para a abertura dos mercados de pescados e trigo para os russos.
No sábado, segundo a "Agência Brasil", Maggi disse que a suspensão temporária das importações de carne bovina do frigorífico Mataboi, de Goiás é uma medida normal. Segundo ele, o aumento de controle de qualidade pela Rússia não tem ligação com a Operação Carne Fraca. Ele afirmou que a Pasta ainda não recebeu um comunicado oficial. " É absolutamente normal acontecer esse tipo de evento, com suspensão temporária ou, às vezes, mais prolongada, quando o importador detecta uma inconformidade", disse o ministro.
Uma fonte a par da negociações com os russos afirma que a demora do Brasil em abrir o mercado de pescados decorre de falhas russas, como o não envio da documentos pelas empresas interessadas.
Para fontes do setor, um eventual bloqueio que vá além da unidade do Mataboi significaria um retrocesso na relação com a Rússia. No passado, os importadores russos eram conhecidos pela instabilidade, e os embargos temporários corriqueiros, sendo usados até como instrumento para barganhar.
Desde 2014, o clima entre os brasileiros e os russos é mais amistoso. Em meio à crise geopolítica na Crimeia, os russos vetaram as importações de alimentos da União Europeia e dos Estados Unidos. Nesse cenário, o Brasil ganhou espaço e dezenas de unidades foram autorizadas a vender ao mercado russo.
Neste ano, a sintonia entre russos e brasileiros ficou evidente durante a crise de credibilidade que atingiu o setor depois da Operação Carne Fraca. Na ocasião, a maior parte dos países importadores proibiu temporariamente as carnes brasileiras. A Rússia manteve as compras dos produtos brasileiros e declarou publicamente confiar na carne nacional. Com informações do Valor.