Publicado em 18/08/2016Menos reconhecido pela agricultura, e mais por sua indústria, o município paulista de Jundiaí elevou a voz em defesa da maior fazenda de pesquisa agropecuária do Estado, que após 47 anos corre o risco de ser vendida. O terreno de 110 hectares é sede do Centro de Engenharia e Automação (CEA), do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), e está incluída em um pacote de imóveis que o governo de São Paulo pretende negociar para reforçar seu caixa.
Localizada entre a Serra do Japi e a mancha urbana de Jundiaí, e facilmente acessada por rodovia, a unidade tem valor imobiliário estimado em R$ 645 milhões. É a maior das 13 fazendas – de um total de 52 -, que a Secretaria de Agricultura do Estado gostaria de se desfazer para reduzir custos e levantar ao menos R$ 1,4 bilhão.
Desde que a venda dessas unidades começou a ser ventilada, há três anos, pesquisadores e o governo têm travado uma queda de braço na tentativa de defender seus interesses. A principal reclamação dos cientistas é a "truculência" do Estado nas negociações. Eles alegam não terem sido convocados para participar das discussão e acusam a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) de desmantelar a estrutura paulista de pesquisas no campo. Já o Palácio dos Bandeirantes defende a total reestruturação das unidades, com o realinhamento de prioridades científicas e a alienação de áreas consideradas sem utilidade à pesquisa atual.
Em Jundiaí, o debate tem chamado mais a atenção devido ao envolvimento também do setor agrícola e do poder público municipal, atento às movimentações neste ano de eleições. Em junho, Jundiaí aprovou seu novo Plano Diretor, que colocou sob proteção ambiental metade da área total do CEA.
"Criou-se uma zona especial de interesse ambiental porque a unidade tem mata nativa, córregos, lagos e é a transição entre a Serra do Japi e a área urbana. Não faz nenhum sentido transformar isso em loteamento ou qualquer outra coisa", disse aoValor o prefeito Pedro Bigardi, que concorre à reeleição pelo PSD. "A gente vai tentar segurar essa venda o máximo possível".
Segundo o prefeito, as pesquisas realizadas pelo CEA se tornaram a maior fonte de conhecimento científico aplicado às lavouras de frutas, a base da agricultura de Jundiaí. Ao lado da Escola Técnica Benedito Storani (ETEC), colada ao CEA, são desenvolvidas atividades em conjunto com os pesquisadores. Por isso, Bigardi diz ter oferecido informalmente ao governador áreas do município em troca do lote estadual. A conversa, segundo ele, não avançou.
Em julho, foi a vez de o vereador Rafael Purgato (PCdoB) propor o tombamento da unidade junto ao Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, por sua importância "cultural e artística". Purgato se baseou na existência de tratores antigos, atualmente às traças em um galpão abandonado. Também o impressionou o projetor daquele que foi o primeiro cinema rural de Jundiaí, para funcionários do CEA, agora alocado em um auditório.
O governo estadual reforça sua posição: só pesquisas cruciais serão continuadas e áreas subutilizadas, como a do CEA, devem ser repensadas. Ao Valor, o diretor-geral do IAC, Sérgio Augusto Carbonell, criticou a celeuma em curso, que gera desinformação à cadeia.
"Estamos medindo a capacidade dos centros, redimensionando espaços e redefinindo prioridades. Isso ocorrerá independentemente da venda ou não do CEA. O fato é que haverá mudanças e há resistência a isso". E cutucou: "Não é incumbência de um instituto de pesquisa fazer um museu com trator antigo. Só se eu tivesse museólogos. Dizer que tem barracões também não significa que há estrutura física. Precisamos otimizar, focar e passar pelos processos de baixa no nosso patrimônio".
A alienação do CEA e das outras fazendas do IAC foram formalizadas no PL 328, apresentado em abril à Assembleia Legislativa para votação em caráter de urgência. Um pedido de liminar do deputado Carlos Neder (PT) chegou a interromper a análise. Há uma semana, a liminar foi derrubada.
"Se os estudos estão sendo realizados desde 2013, por que os pesquisadores não foram, em momento algum, envolvidos? ", pergunta o pesquisador Hamilton Ramos. Ele questiona ainda a qualidade da assessoria técnica prestada ao IAC para definição de cortes.
Seja pela alegada falta de comunicação do Estado ou pela troca de e-mails entre os pesquisadores com trechos da defesa do Estado sobre as alienações, que levantam mais dúvidas, o disse-me-disse chegou a entidades de classe e acendeu o sinal amarelo na indústria.
"Não teremos alternativas para certificação de EPIs se a estrutura do CEA for desmantelada. O governo quer resolver um problema imediato de contas, mas vai pagar caro com a falta de espaço para pesquisa no futuro", lamenta Francisco Grzesiuk, proprietário da VestSegura, empresa do Paraná que certifica cerca de 30 mil vestimentas por ano para a pulverização de defensivos nas lavouras.
"Se tem um projeto bacana para a melhoria na qualidade dos EPIs de pulverização, é esse. O Brasil é uma referência nisso. Seria ruim acabar com ele", acrescenta Fábio Kagi, gerente de educação e treinamento da Andef, que representa indústrias de defensivos no país.
Ambos se referem aos temores de que o governo encerrará o programa Qualidade em Equipamentos de Proteção Individual na Agricultura (Quepia). Graças ao CEA, foi possível criar normas de segurança para as roupas utilizadas na aplicação de veneno. O laboratório de Jundiaí é o único credenciado pelo Ministério do Trabalho a fazer análises de qualidade e responde pela certificação de quase 80% do mercado de macacão, luva, boné e viseira do campo.
"O Quepia não vai acabar. Ao contrário, vai para Campinas [sede do IAC], onde os pesquisadores terão estrutura", rebate Carbonell.
Com gastos anuais de R$ 350 mil, o CEA deve ter as pesquisas desmembradas. A área de tecnologia de aplicação, onde estão o Quepia e o Aplique Bem, iriam para Campinas, assim como os estudos em pós-colheita. A pesquisa em fruticultura se juntaria a outra unidade do IAC, também em Jundiaí e já dedicada ao tema. Os teste de tratores seriam abandonados por não haver mais demanda.
As novidades caem como um peso extra sobre o pesquisador Antônio Odair Santos, que há anos desenvolve sozinho os protótipos de máquinas para semeadura, colheita e poda de frutíferas. "Claro que não vão levar tudo isso", diz, olhando para o entorno – dezenas de máquinas, muitas já gastas, mas ainda a base do seu trabalho. "Eles dizem que não vai acabar, que tem espaço. Mas sabemos que não é assim". Com informações do Valor.