Publicado em 18/08/2015Do alto de uma escada de madeira de nove metros, a agricultora francesa Cécile Chevereau analisa a colheita de trigo deste ano depositada nos quatro silos construídos por seu pai antes de ele se aposentar há 18 meses. Ela e Eric Simon, seu sócio, ainda não se pagaram o mês de julho porque terminaram o período com o caixa vazio. Mas, por enquanto, não vão vender suas 200 toneladas de grãos. Os preços do trigo estão em queda e Cécile quer esperar uma recuperação.
"O que importa agora são os preços no mercado mundial", diz. "Você pode ter uma grande safra e não ganhar muito dinheiro em um ano, e ganhar mais dinheiro com uma safra de qualidade inferior no ano seguinte. A única coisa que podemos prever é nossos custos, e eles estão sempre subindo."
A queda dos grãos é apenas a mais recente notícia ruim entre outras que preocupam Cécile Chevereau em sua fazenda em Saint-Martin-des-Bois, na região do Loire. Os preços das novilhas e novilhos que ela cria também estão em queda. Com € 54 mil em dívidas comendo a maior parte do lucro de € 69 mil que a fazenda gerou no ano passado, ela sente o aperto que está levando fazendeiros a parar caminhões que transportam carne importada e lácteos vindos da Alemanha e Espanha, e bloquear vias de acesso a pontos turísticos, como a que leva ao Castelo de Chambord, no vale do Loire.
Os protestos refletem as dificuldades enfrentadas pelo setor agrícola, atingido pelo fim das cotas de leite na União Europeia este ano. "Na França, mais do que em qualquer outro país europeu onde a intervenção estatal foi menos importante, o fim das cotas é uma grande evolução", diz Vincent Chatellier, do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica. "Por 30 anos as autoridades francesas encorajaram o desenvolvimento regional e a fazendas familiares de leite de tamanho médio."
Outrora a maior exportadora de produtos agrícolas da Europa, a França foi destronada nos últimos anos pela Holanda e Alemanha. Ela ainda é o maior produtor do continente, mas países mais competitivos estão derrubando os preços das carnes bovina e suína e dos lácteos em seus mercados e ganhando participação no exterior. O veto à importação de carne pela Rússia e os problemas da Grécia, uma importadora de novilhos, também atrapalham.
Os agricultores franceses também culpam os frigoríficos, as cooperativas leiteiras e o comércio pelo aperto das margens e por levar mais de 20.000 produtores para perto da falência. Além disso, temem que o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, que está sendo negociado entre Bruxelas e Washington, leve a um aumento das importações da carne de bovinos criados com hormônio dos EUA.
A irritação "vem sendo gerada há muito tempo", diz Cécile Chevereau, que recebe € 30.000 por ano da UE. "Não podemos ganhar a vida sem os subsídios da União Europeia; trabalhamos como loucos, somos mal pagos e precisamos fazer investimentos constantemente."
O setor agrícola emprega só 3% da força de trabalho da França, mas segue tendo um lobby poderoso. Na esteira dos protestos de julho, o governo socialista do presidente François Hollande rapidamente liberou mais de € 600 milhões em ajuda.
Stephane Le Foll, ministro da Agricultura, prometeu aliviar os débitos dos produtores mais endividados. A federação alemã de laticínios reclamou para a Comissão Europeia contra a ajuda, enquanto produtores espanhóis ameaçaram boicotar os alimentos franceses. E os franceses querem mais apoio na forma de encargos sociais menores e um plano para sustentar os preços.
Cédric Daudin, produtor de leite dos arredores de Blois, diz que a França precisa conciliar seu ideal da agricultura tradicional, centrada nas famílias, com a necessidade de estimular fazendas maiores capazes de competir com os concorrentes de custos menores da Alemanha e Holanda. Os agricultores que tentam conseguir autorização para ampliar lotes de terras sempre enfrentam oposição local, observa ele.
"O público em geral quer fazendas menores porque assim fica mais bonito", diz Daudin. "Há uma resistência contra tudo que se assemelhe a uma fábrica. Mas isso tem custo. Nossos custos trabalhistas são maiores, algumas de nossas regras de saúde e meio ambiente são mais rígidas que as normas europeias." Com informações do Valor.