Publicado em 17/04/2015Uma vez deflagrada a colheita de soja desta safra 2014/15, os produtores argentinos temem uma nova onda de ataques a seus silos-bolsa. No início do ano, multiplicaram-se os casos de vândalos que, com simples canivetes, rasgaram as bolsas de plástico que armazenavam os grãos de temporadas anteriores. Apesar da ameaça, é grande a tentação de estocar os maiores volumes possíveis e esperar o melhor momento para exportar. Mas, por outro lado, recente pesquisa indicou que os agricultores estimam que serão obrigados a vender 45% do que colherem agora para cobrir despesas.
É a última safra de grãos do mandato da presidente Cristina Kirchner, e o silo-bolsa se transformou em um símbolo do marcante conflito do governo com o campo, que não dá mostras de arrefecer. A seis meses de uma nova eleição presidencial, a Casa Rosada continua a pressionar os produtores. Quer as vendas a todo vapor. Estrela argentina no comércio exterior, a soja ressurge como uma alternativa desesperada para salvar as reservas de dólares do país.
Os agricultores resistem, mas refutam as informações de que esperam não apenas melhores preços para vender, mas também a chegada do novo governo. A eleição renova a esperança de redução nos impostos de exportação e mudanças - ou eliminação - do sistema de cotas, que serve para controlar a venda externa de grãos como o trigo para forçar a queda dos preços domésticos.
Há quem diga que os silos-bolsa cheios de grãos já alcançam, juntos, uma extensão de 2,6 mil quilômetros. É a distância de São Paulo até Belém (PA) ou, no caso argentino, de Buenos Aires a Ushuaia, a cidade conhecida como o fim do mundo. "Acham que temos um estoque suficiente para chegar à lua", ironiza o produtor Santiago del Solar, diretor da Consórcios Regionais de Experimentação Agrícola (CREA).
Segundo recente pesquisa do CREA, apenas 8% da colheita de soja do ciclo passado (2013/14), ou pouco mais de 4 milhões de toneladas, está nas mãos dos produtores. Foi a mesma pesquisa que sinalizou que os produtores poderão vender o mais rapidamente possível 45% da colheita que está começando e que poderá chegar a 58 milhões de toneladas, um novo recorde histórico.
Com cerca de 70 metros de extensão e 2,7 metros de diâmetro, um silo-bolsa armazena 250 toneladas. O equipamento surgiu há mais de duas décadas como solução para o produtor manter seu estoque no campo a custos reduzidos enquanto espera o transporte ou o momento mais favorável para a comercialização. Ou até uma troca de governo.
"O uso do silo-bolsa atinge níveis exagerados na Argentina quando comparado a outros países", afirma o analista Leonardo Sarquis, da Agrositio. Em seus cálculos - e os cálculos divergem muito no país atualmente -, cerca de 40 milhões de toneladas de grãos em geral repousam nos silos-bolsa. Isso equivale a 40% da produção total do país.
Segundo Sarquis, a situação deriva de impostos de exportação que ele considera "distorsivos" e desestimulantes. Tanto que a pesquisa do CREA, que ouviu 757 produtores, mostrou que a área plantada de grãos poderá cair quase 10% no país no ciclo 2015/16. Mas esse sentimento também prevalecia antes da semeadura da safra 2014/15, que resultou em colheita recorde de soja.
A tributação das exportações dos produtos agropecuários argentinos entrou em vigor em 2002 e foi gradualmente elevada. Hoje varia de 21% a 35%, e é a venda da soja ao exterior que paga a alíquota mais alta. "O Estado fica com 80% do que o produtor ganha com a exportação", diz Santiago del Solar. Os impostos federais, afirma o diretor do CREA, representam 95% do total tributado.
Por conta desse cenário, Del Solar diz que principalmente os produtores de regiões mais ao norte do país, como Salta e Tucumán, têm tido muitas dificuldades para produzir.
Outro problema se refere ao que os argentinos chamam de "retenciones", que são os controles de exportação de produtos como o trigo. Nesse contexto, Sarquis diz que a falta de estímulo ao plantio do trigo e milho, com predomínio da soja, faz com que a rotação de culturas na Argentina diminua cada vez mais, o que prejudica a qualidade do solo.
A produção do trigo é uma das mais afetadas. Del Solar afirma que, das 15 milhões de toneladas da última safra, o governo autorizou a exportação de 2 milhões. A ideia é garantir farinha a preços baixos no mercado doméstico. "Mas o consumo interno não passa de 5 milhões, o que significa que sobra o equivalente a quase dois anos do que os argentinos precisam", diz. Já Sarquis lembra que, por isso, a Argentina já perdeu boa parte do mercado no Brasil, que foi obrigado a recorrer a outros fornecedores.
Enquanto isso, no Banco Central, as expectativas se concentram na entrada dos "soja dólares". Mas a queda de preços e a antecipação de vendas acordada com produtores em 2014 têm frustrado o sonho de melhorar o nível de reservas. De acordo com o Centro de Exportadores de Cereais (CEC), nas 14 primeiras semanas de 2015, a liquidação de contratos de exportação de grãos somou US$ 3,9 bilhões, 33% menos do que no mesmo intervalo do ano passado.
O país tem atualmente US$ 31,5 milhões em reservas cambiais e está mergulhado num "default", sem acesso aos mercados internacionais. Mas a queda de braço com o campo promete continuar, mesmo que boa parte da atual colheita. "Temos trigo armazenado e por volta de junho ou julho deveremos começar a guardar outros grãos também para nos proteger da inflação", diz Del Solar.
E, enquanto ouvem com a atenção o que dizem os pré-candidatos à sucessão de Cristina Kirchner, que não pode concorrer à reeleição, os produtores tentam proteger seus silos-bolsa dos vândalos e seus canivetes. Sim, porque um silo-bolsa novo custa US$ 570 na Argentina, mas remendá-lo sai por cerca de US$ 800. Com informações do Valor.