Publicado em 10/04/2015Com os cofres vazios, a Venezuela está fazendo o mais drástico corte de importações em três décadas para compensar a queda dos preços do petróleo. Desta forma, e evitando outros ajustes mais ortodoxos, o país tenta preservar a capacidade de honrar seus compromissos externos, em meio ao temor de que possa dar calote em sua dívida já neste ano.
Em relatório divulgado nesta semana, o venezuelano Francisco Rodriguez, economista para a região andina do Bank of America (BofA), estimou que as importações venezuelanas cairão de US$ 45,9 bilhões, em 2014, para US$ 31 bilhões em 2015. A redução compensaria em parte a queda na receita obtida com as exportações, de US$ 75 bilhões no ano passado para US$ 41,5 bilhões neste ano.
Os números ficam ainda mais impressionantes se comparados ao desempenho de 2012, quando o barril do petróleo venezuelano atingiu o preço médio recorde de US$ 103,40. Naquele ano, a Venezuela faturou US$ 97,3 bilhões com exportações, e as importações atingiram o volume recorde de US$ 59,3 bilhões. Para este ano, a previsão de Rodriguez se baseia em um preço médio do petróleo venezuelano em US$ 47,3 o barril.
A Venezuela não divulga dados de seu comércio exterior desde o terceiro trimestre de 2014. Compilando dados de seis dos sete principais fornecedores externos de produtos para a Venezuela (Alemanha, Brasil, Colômbia, China Estados Unidos e México), Rodriguez estima que as importações venezuelanas recuaram 18,2% entre janeiro e março, após um recuo de 11,6% ao longo do ano passado e de 21,9% em 2013. A Argentina ficou de fora pela falta de dados detalhados de seu comércio exterior.
O Brasil já vem sofrendo os impactos do corte das importações venezuelanas. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), as exportações para o país vizinho caíram de US$ 864,7 milhões no primeiro trimestre de 2014 para US$ 643,2 milhões este ano. No mesmo período de 2012, as exportações para a Venezuela chegaram a US$ 1,076 bilhão.
Essa queda nas importações tem provocado uma elevada escassez de produtos básicos na Venezuela. Isso tem impacto direto na sensação de bem-estar da população e, consequentemente, na popularidade do presidente, o chavista Nicolás Maduro.
O dólar fixo usado pelo governo para importar produtos essenciais - a uma taxa irreal, de 6,30 bolívares, em comparação à do paralelo, de 251 bolívares - também obriga o governo a imprimir mais dinheiro, o que se reflete em uma inflação mais alta. Os preços ao consumidor devem subir 174% em 2015, segundo o relatório do BofA, após aumento estimado em 68,5% no ano passado - o governo também não divulgou esse dado.
De resto, o quadro pintado pelo economista para a economia venezuelana é desolador. O PIB (Produto Interno Bruto) deve se contrair 4% neste ano, após uma queda estimada por ele de 3,8% em 2014 - também não há dados oficiais a respeito.
Para Rodriguez, o ajuste externo mais adequado a ser feito na Venezuela é o cambial, uma vez que "o ajuste via quantidade de importações é "inviável no médio prazo". Desvalorizar o câmbio, com impacto no poder aquisitivo do consumidor, afirma Rodriguez, seria uma medida impopular, "mas o presidente Maduro já tem uma alta impopularidade por conta de sua atual política econômica".
"Há duas maneiras de o consumidor perceber o ajuste. Uma é chegar ao supermercado e constatar que não tem dinheiro para comprar determinado produto importado, pois a moeda desvalorizou-se. A outra é ter o dinheiro, mas o produto não existir", disse ele ao Valor. "Esse segundo caso é o que ocorre hoje na Venezuela."
Com compromissos da ordem de US$ 10 bilhões para honrar neste ano, e uma redução estimada de US$ 25 bilhões no superávit comercial em 2015, esse ajuste via corte de importações promovido pelo governo "é insuficiente", diz Rodriguez. Mas, para o economista, é improvável que a a Venezuela dê um calote em sua dívida neste ano. O país, diz ele, tem US$ 75 bilhões em ativos líquidos ou liquidáveis, que poderiam ser usados para efetuar os pagamentos. Nesse cálculo entram desde as reservas internacionais do país, dois terços das quais estão em ouro, e o dinheiro de diversos fundos extraorçamentários até ativos da estatal petrolífera PDVSA no exterior. Com informações do Valor.