Publicado em 19/12/2014No campo, o relógio parece ter um ritmo diferente, o ar é mais leve e o sabor da comida remete à infância. É difícil encontrar no Brasil, um país que até 1950 era predominantemente rural, alguém sem raízes no campo ou memória de um doce de fazenda preparado pela avó. Atravessar a porteira significa colher fruta no pé, nadar no rio, ouvir moda de viola ou, simplesmente, render-se às brincadeiras da roça com os filhos.
A experimentação de uma vida simples e distante da realidade urbana é o maior atrativo para o turismo rural - atividade ainda pouco explorada no país. "Somos um grande produtor de alimentos. O potencial para explorar o estilo de vida do campo é enorme", destaca Carlos Alberto Santos, diretor-técnico do Sebrae.
A entidade acaba de lançar o estudo "Retrato do Turismo Rural no Brasil - com foco nos pequenos negócios", que traz um perfil das propriedades rurais que, entre outras atividades, oferecem serviços turísticos. Apesar da ligação da nossa economia com o campo, o turismo rural é uma atividade relativamente nova. Surgiu na década de 1980, em Santa Catarina, com inspiração no modelo europeu, cujo diferencial está em criar roteiros turísticos combinados com a produção agrícola.
"Temos bons exemplos de circuitos em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde boa parte da renda das propriedades vem do turismo rural. Mas ainda há muito a ser feito para sofisticar e ampliar os roteiros", afirma o diretor-técnico do Sebrae.
Eva Guidi Pinotti, proprietária da Fazenda Vista Alegre, em Sertãozinho (SP), e presidente da Associação do Turismo Rural de Ribeirão Preto e Região (Aturp), esclarece que sofisticar roteiros e modelos de negócios não significa transformar as propriedades e o campo em algo 'falso' ou de 'luxo'. "Vivenciar a vida do campo, significar tirar leite de uma vaca que pasta. Não de um animal banhado, perfumado e confinado em uma estrutura de concreto", explica ela. Eva afirma que a vida simples e o contato com a natureza precisam fazer parte da atividade do visitante. "Até porque é preciso valorizar o campo e não tentar transformá-lo em cidade", afirma.
Eva começou a explorar o turismo rural em 1997, quando a lucratividade com a cana de açúcar caiu abruptamente na região. "Eu dava aulas de educação física em uma escola. Comecei a montar grupos de alunos para passar o dia na fazenda", revela. Os grupos foram ficando frequentes, as crianças e adolescente começaram a dormir nos alojamentos da Vista Alegre e Eva passou a investir na atividade. Atualmente, a fazenda dispõe de chalés para hospedar casais e famílias e também aluga os quartos da sede. "Temos uma história aqui, em cada móvel, cada madeira, cada árvore. O turista busca essas raízes", comenta.
Sua ligação com a educação inspirou a produtora rural a criar atividades pedagógicas para grupos escolares e mantê-los na estratégia turística. "Damos aulas de relevo, educação ambiental, astronomia, entre outras ciências naturais", explica. Aos finais de semana e feriados, ela abre as portas da fazenda para quem quer ir almoçar a comida do fogão a lenha e passar o dia. "Nosso porco na lata é um sucesso", comenta.
O lazer também conta com uma boa estrutura. Além das atividades da roça - como pegar fruta no pé, alimentar bichos e montar cavalos ¬ a Vista Alegre oferece arvorismo, trilha e abriga um museu com acervo de 500 peças. O museu conta a história da família Guidi, da agricultura e da imigração italiana na região. "O meu avô veio da Itália para o Brasil no início do século passado. Temos um acervo rico", destaca.
Ela deixa claro que a Vista Alegre não é um hotel fazenda - aquele modelo que finca um hotel no interior e 'cria um ambiente rural' -, mas uma fazenda hotel. "O conceito é importante. Plantamos cana e milho e criamos gado de leite. Também recebemos hóspedes. Quem vem para cá, vivencia uma fazenda em operação". O turismo rural responde, atualmente, por 40% da renda da Vista Alegre.
Santos, do Sebrae, destaca que receber hóspedes é uma ótima estratégia para ampliar a renda. "É preciso investir em acomodações, para oferecer conforto e acolhimento ao turista", afirma. Manter a simplicidade e a simpatia caipira também é essencial para agradar o turista.
Entre os públicos que mais buscam esse tipo de turismo estão as famílias e pessoas na terceira idade. "Os pais querem oferecer uma experiência diferente aos filhos. Os mais velhos querem se reconectar com o campo", destaca Santos. Esse perfil de público exige adaptações para ampliar a segurança e melhorar a mobilidade. "Rampas, barras de apoio e cercas de piscina precisam entrar no roteiro de reforma", exemplifica o diretor do Sebrae. A entidade oferece consultoria para quem pretende entrar no ramo.
Em 32,76% das propriedades consultadas para o estudo do Sebrae, a renda com o turismo supera a conquistada com a produção agropecuária. Entre os potenciais para explorar a atividade turística, está a ligação da gastronomia com a hospedagem. "Visitas a vinhedos e vinícolas são um sucesso em todo o mundo. Pela diversidade da produção de alimentos no Brasil, é possível encontrar nichos diferenciados", explica.
Eva destaca, no entanto, que montar roteiros rurais ainda é um desafio. "A cadeia de negócios do turismo ainda não absorveu a hospedagem no campo. Temos dificuldades com agentes de turismo para entender e vender as opções", comenta. O Sebrae identificou no estudo que é preciso fortalecer e valorizar a atividade no país, defende legislação e políticas de incentivo voltadas para o turismo rural. "São negócios essencialmente familiares e com impactos positivos na economia local. Temos de fomentá-los".
De acordo com o estudo realizado pelo Sebrae, as atividades de turismo rural oferecidas pelas propriedades estão fortemente ligadas às atividades cotidianas da agricultura familiar ou são seu complemento.
Os visitantes podem visitar as áreas da propriedade e os espaços de produção - com integração total ao pacote de hospedagem - em 61% das propriedades entrevistadas, 51% delas oferecem alimentação, 39% permitem ao turista colher produtos e 38% oferecem degustação da produção. Passeios em trilhas ou caminhadas são oferecidos em 32% dos estabelecimentos, enquanto 31% das propriedades oferecem hospedagem. Já a experiência em atividades culturais é oferecida por 22% dos empreendimentos que participaram da pesquisa. Com informações do Valor.