Publicado em 22/07/2014Nos últimos meses, uma guerra a céu aberto está colocando de um lado da porteira pecuaristas e a indústria veterinária e de outro os exportadores de carne bovina. No meio dessa batalha, o Ministério da Agricultura tenta arbitrar a questão. No caso, a suspensão da produção, importação e venda de antiparasitários de longa duração, anunciada no dia 30 de maio pelo próprio ministério, até que se determine novos protocolos para o uso desses medicamentos. As chamadas avermectinas protegem o gado contra carrapatos, moscas e vermes, e não deixam que percam peso por causa do desconforto provocado pelos parasitas.
O mercado desses medicamentos, destinados aos 200 milhões de animais criados no País, é abastecido por 21 empresas, das quais 13 são nacionais, como a Vallée e a Ouro Fino, e oito multinacionais, a exemplo de MSD, Zoetis, Bayer e Basf. Anualmente, são vendidos no País cerca de R$ 500 milhões em vermífugos de longa duração, como forma de proteção do rebanho. No entanto, se mal administrados na boiada, esses medicamentos podem comprometer a sanidade da carne que vai para o mercado. E é esse o ponto de discórdia.
A Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), que representa 26 empresas, entre elas Marfrig, Minerva, JBS, Frisa, Frialto e Superfrigo, tem rastreado, através de análises de laboratório, a presença de resíduos de medicamentos na carne. Entre 2010 e 2013 foram gastos R$ 28 milhões em 560 mil análises, pela Abiec. “Estamos dizendo que é preciso um maior controle do medicamento usado no gado”, afirma Antônio Camardelli, presidente da Abiec. “É uma questão de mercado.” Camardelli se refere às exportações, para os Estados Unidos, de carne cozida industrializada, o chamado corned beef.
Os americanos são os principais compradores desse tipo de produto, mas desde 2009 andam meio arredios. Naquele ano, lotes de carne brasileira foram barrados no país e, de lá para cá, as vendas despencaram: passaram de 42,8 mil toneladas para 22,5 mil toneladas no ano passado. Nos últimos quatro anos, a redução nas vendas representou uma redução de US$ 250 milhões em receitas para o País. Mas não é só o espaço perdido para o corned beef que interessa aos frigoríficos brasileiros recuperar. Para o setor, a presença de resíduos de medicamento na carne exportada aos americanos compromete um outro filão que atualmente está no farol de suas políticas de exportação: o da carne in natura, muito mais interessante em termos de divisas.
Os Estados Unidos, que não compram um único quilo dessa carne, no Brasil, poderiam ajudar a engordar e até aumentar uma receita que em 2013 chegou a US$ 5,4 bilhões. Os americanos são os maiores consumidores mundiais de carne bovina. Vão para as suas mesas 11,5 milhões de toneladas, das quais um milhão são importadas, principalmente da Austrália e Nova Zelândia. Para o diretor de relações com investidores da JBS, Jeremiah O’Callaghan, a questão dos vermífugos aplicados no rebanho brasileiro vai além do que pode ocorrer com o mercado externo. O’Callaghan diz que o consumidor vem sendo esquecido nessas discussões que envolvem as indústrias da carne, de medicamentos e os pecuaristas.
“Qualquer que seja a decisão sobre a liberação dos vermífugos, é preciso levar em conta o que vai para a mesa do consumidor”, afirma. “Hoje, quem compra um produto de origem animal não quer mais correr risco, e essa é uma verdade que vale para o mundo todo.” No Brasil, dos 10,2 milhões de toneladas de carne e de subprodutos bovinos que serão processados pelos frigoríficos neste ano, 8,2 milhões de toneladas, o equivalente a 80,4%, serão consumidas internamente. A indústria de medicamentos veterinários defende sua posição. “Nós trabalhamos em um mercado altamente regulado”, diz Emílio Salani, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan).
“Não vendemos o que não é aprovado pelas autoridades sanitárias do País.” Segundo Salani, estudos da Embrapa mostram que se os pecuaristas deixarem de aplicar vermífugos no gado, as perdas no campo podem chegar a US$ 2 bilhões por ano. Para ele, o Ministério da Agricultura deveria ter discutido mais com o setor antes de qualquer decisão. Desde que foi publicada no Diário Oficial da União a decisão de suspender os medicamentos, o Ministério da Agricultura não se pronuncia sobre o tema. A liberação dos vermífugos vai depender de um estudo encomendado pelo ministério e que será submetido à Abiec, à Universidade de São Paulo, à Embrapa e ao próprio Sindan, ainda sem data para ser apresentado. Com informações da Istoé Dinheiro.